sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O POSTE QUE GOSTAVA DE APANHAR

Parece mentira, mas não é.
Eu sei que é muito difícil de acreditar nesta estória de poste que gosta de apanhar. Mas, nesse destrambelhado e espatafurdio mundo em que vivemos, que eu acredito já esteja no fim, tudo é possível, pois têm acontecido coisas de fazer penico de barro dar pulo mortal.

Um dia desses eu vi na televisão, que uma cadela vira-latas deu cria a um cachorrinho verde. Como era uma cachorra sem estirpe, foram logo dizendo que a coitada, provavelmente, teria ingerido tinta de parede, ou comido alguma comida radiativa e que provocou o fenômeno. Se fosse, porém, uma cadela com pedigree, dessas de madame e que têm certidão de nascimento, com quatro ou cinco sobrenomes de nobreza, certamente diriam que se trata do surgimento de uma super raça de sangue verde. Aliás, por falar em cachorro, lá em Afogados da Ingazeira, cidade interiorana de Pernambuco, vive uma cadela chamada Diana, que é uma das figuras mais famosas da cidade, e que causa espanto a todos, pois, quer chova, quer faça sol, vai à missa todo santo dia, acompanha procissões, enterros, batizados, novenas e, mesmo que ninguém compareça às cerimônias, ela vai sozinha e só se retira quando o padre dá a bênção final. Está dando de dez a zero na cambada de paroquianos que se dizem fiéis e cristãos, mas nunca vão à igreja rezar. É ou não é o fim do mundo?
Mas, vamos deixar de divagações e voltemos ao poste.
Pois bem. Pra vocês não dizerem que eu estou mentindo, eu mato a cobra e mostro o poste: ele é o de número 1031 – 9000 e tem residência fixa na rua Pastor José Amaro da Silva, 112, em frente ao Edifício Costa Blanca, que é o prédio onde eu moro.
Trata-se de um poste adulto e já velho, com identidade e endereço e por isso mesmo deveria ter mais responsabilidade no desempenho de sua funções de clarear a rua. Mas é um poste relapso, contumaz, irresponsável e preguiçoso.
A Celpe já veio várias vezes autuá-lo e até check-up fez nele e nada encontrou de anormal, pois nem mesmo sua lâmpada está queimada. Estaria ele acometido da síndrome do apagão?
Na presença do técnico da Celpe, o safado se acende todo e passa a noite toda brilhando, mas na noite seguinte, quando já não há ninguém observando, o poste, ou melhor, o peste emburra e não acende. Os seus colegas vizinhos, que são dois, mal começa a escurecer, e eles acendem espontaneamente e fazem o seu trabalho direitinho, todos as noites.

Foi aí que o Luizinho, porteiro do meu prédio, intrigado com aquela teimosia do poste que não queria dar a luz, teve uma idéia luminosa: arranjou um pedaço de pau, mais parecido com um tacape e esperou que escurecesse e deu o ultimato ao poste. Como ele teimou em não acender, Luizinho foi até ele e, sem que ele esperasse, desferiu-lhe uma tremenda bordoada abaixo da linha de cintura, tão forte que a pancada ecoou por toda a rua. Não se sabe se de raiva ou de dor, o certo é que não demorou quase nada e o danado começou a clarear devagarzinho e logo ele estava com toda a sua potência de luz e brilho, clareando tudo.

Na noite seguinte, Luizinho esperou a reação do poste, pensando que, depois daquela porretada, o poste se mancaria. Mas, qual o quê! Escureceu e nada do teimoso acender. Outra chibatada, desta feita, na boca do estômago e mais uma vez o poste acendeu ligeirinho.
Foi assim durante quase um ano. O miserável do poste só acendia depois de levar uma boa cacetada. Era mesmo um poste que gostava de apanhar.
Mas, o mais espantoso ainda estava para acontecer.
Conta Luizinho que, certa vez, já era noitinha, dirigiu-se ao poste como de praxe, para dar-lhe a costumeira porrada vespertina . Levantou o braço justiceiro e nem chegou a desferir o golpe, porque ao olhar atentamente para o poste viu que o coitado tremeu e se encolheu todo como se estivesse apavorado e, antes mesmo de receber a paulada, começou a acender rapidamente, o que levou Luizinho a baixar o braço e a concluir que aquele poste era malandro, tinha sentimentos, sentia dor e, como qualquer ser do sexo masculino, morria de medo de levar uma cacetada naquele lugar.

Eu sei que esta estória é muito estranha e difícil de passar pelas tripas de qualquer cristão, mas, em se tratando de Luizinho, que é um baita porteiro, sério e idôneo, é bom não duvidar, porque a palavra dele é, foi e será sempre um tiro, ou melhor, uma cacetada.

O MILAGRE DAS MELANCIAS

Aquele vetusto e solitário mosteiro de Nossa Senhora de Lourdes, ainda está lá, no alto da verdejante colina, desafiando o tempo, firme como uma rocha, emoldurado por sicômoros e ciprestes frondosos e pelas centenárias palmeiras imperiais, onde graúnas, xexéus e corrupiões, gorjeiam seus trinados, na sinfonia matinal da natureza.

O céu ainda é o mesmo, quase sempre nublado e melancólico. O clima de montanha nos oferece um frio ameno e agradável. O sol tímido e preguiçoso, tem sempre um pretexto para quase sempre acordar tarde e não sair.

Neste recanto bucólico e abençoado, morada do silencio e da paz, na aprazível serra de Guaramiranga, lá no meu Ceará, eu tive o privilégio de viver, por alguns anos, na companhia dos austeros monges capuchinhos, entoando as matinas e laudas e pude conhecer de perto um virtuoso e santo monge, que tinha a fama de milagreiro.

Na cidadezinha de Guaramiranga, que se derrama desordenadamente aos pés da serra, todos conheciam Frei Roberto, pois dele já tinham recebido alguma bênção ou favor e ninguém duvidava de suas virtudes e das histórias de milagres que a ele eram atribuídas. O mais famoso, o milagre das melancias, aconteceu mesmo e eu sou testemunha.
Havia na cidade, um caboclo, de nome Nôzinho, amigo dos frades, muito trabalhador e temente a Deus e que possuía um roçado, nas cercanias do mosteiro, onde costumava cultivar melancias.

Apesar dos cuidados que o caboclo dedicava à plantação, não havia jeito: nunca conseguia colher uma safra que prestasse, pois as poucas melancias que medravam, não se desenvolviam e não se prestavam ao consumo humano e só os porcos aproveitavam.
Um dia, o caboclo, que conhecia bem os poderes de Frei Roberto e nele depositava muita fé, teve a idéia de procurá-lo para contar-lhe sua frustração e pedir ao santo homem que abençoasse o seu roçado ou, pelo menos, colocasse os pés naquele terreno infrutífero.
Dito e feito: Frei Roberto, solícito e caridoso como sempre, atendeu ao rogo do caboclo e organizou, depois da missa, uma pequena romaria à roça de Nôzinho, com a participação de alguns fiéis e de vários frades.
Naquela época eu era noviço e, como não poderia deixar de ser, fui também incluído naquela santa romaria.
Caminhamos por cerca de meia hora por uns atalhos cheios de urtigas, carrapichos e pega-pintos. Quando chegamos ao local, já nos esperava Nôzinho, com a mulher e os três curumins, no meio do roçado.
Frei Roberto pediu silêncio, vestiu o sobrepeliz, cingiu-se da estola e começou a rezar contrito, os olhos cerrados e voltados para o céu, em colóquio profundo com Deus. Depois retirou do bolso do hábito, um pequeno frasco com água benta e traçou no ar uma larga cruz, espargindo e abençoando toda a plantação.
Mãos postas e de joelhos na areia, a tudo Nôzinho acompanhava com os olhos marejados da mais autêntica fé

Alguns meses se passaram e chegou finalmente a época de colheita. Mas ninguém se lembrava mais da romaria de Frei Roberto. Nôzinho, porém, de nada tinha esquecido: depois da missa foi ter com Frei Roberto e, sem nada adiantar, convidou-o a ir ao seu roçado, porém, com uma condição: todos os frades do convento teriam que ir também.
Era uma missão difícil para o frade, convencer o Superior do Convento a interromper a rotina e liberar todo mundo para ir simplesmente a um roçado. Mas, como tratava-se de um pedido de Frei Roberto, tudo se tornou fácil. E, assim, lá se foi aquela fradaria toda, morro abaixo, rumo ao roçado de Nôzinho, fazer o quê, ninguém sabia
Ao chegar, logo nos deparamos com uma grande cabana, bem alta e rústica, recém construída no meio do roçado, com galhos e cipós entrelaçados com palhas verdes e, embaixo, meio escondido com folhas, um enorme amontoado de melancias grandes e pesadas, madurinhas de dar água na boca.
Todos ficamos muito admirados e sem entender bem o que estava acontecendo.
Foi quando Nôzinho, terminando os salamaleques e beija-mãos dos frades, resolveu falar, matando a curiosidade de todos:

- Eu chamei os reverendos aqui, primeiro para que todos vejam o milagre que o Frei Roberto fez, depois que rezou e jogou água benta no meu roçado. Quero pagar também a promessa que eu fiz de dar a Frei Roberto e aos outros frades, a primeira safra todinha das melancias do meu roçado. Pois taí ! O santo é forte, o milagre é grande e tem melancia prá todo mundo!”

Dizendo isso, tirou da cintura um reluzente e comprido facão e começou com um golpe só a abrir, uma a uma, as melancias em bandas, com a destreza de um samurai e saiu distribuindo uma banda para cada frade. Reservou, porém, a maior e mais bonita, que entregou inteirinha a Frei Roberto.
Apesar do esforço, o frade, que era magro e franzino, não conseguiu sequer erguer aquela melancia descomunal e precisou de auxilio para levantar a oferenda ao céu e rezar: -“ Bendito sejas ó Deus pai onipotente, pela abundância dos frutos desta horta. Nós te agradecemos porque mostraste o teu poder e a tua misericórdia por intermédio do teu mais humilde servo...”

Não houve tempo nem para dizer amém, pois se o calor era grande, a sede era maior ainda e os frades, esquecendo a cerimônia e a mortificação da gula, caíram como piranhas famintas sobre as indefesas melancias que, em pouco tempo, foram destroçadas e reduzidas a um montão de cascas.
Todos se fartaram e ainda teve frade que levou melancia prá casa.
A partir daí, nunca mais faltou safra de melancia no roçado de Nôzinho. E muito menos no convento.

O DESENCONTRO DE DUAS ALMAS BIRUTAS

Alma 1 – Oi! Bom dia! (boa tarde ou boa noite. Apertam as mãos. Trajadas de alma)
Alma 2 – Oi! Bom dia!
Alma 1 - Não acredito! Não vá me dizer que não é você!!! Não está lembrada de mim?
Alma 2 – Claro que não estou, porque eu não sou eu. Não está vendo que já morri? Olha aqui o meu atestado de óbito! ( mostra um papel). E se eu não sou eu, como é que vou me lembrar de você?
Alma 1 – Eu também não sou eu porque eu não existo, morri. Morri primeiro que você e nem precisei de atestado de óbito. Todo mundo viu eu morrendo.E também não faço a menor idéia de quem seja você. Nunca a vi mais gorda. .
Alma 2- E eu muito menos... Nunca a vi mais magra
Alma 1 – Por falar em morte, como foi que você morreu?
Alma 2 – Desastre Eu vinha na garupa de uma moto, numa estrada, a 180 km. por hora e o meu namorado bateu de frente com uma carreta carregada de vergalhões de aço, também em alta velocidade.
Alma 1 – E vocês se machucaram muito?
Alma 2 – Que nada! Só pequenos arranhões. A carreta é que ficou reduzida a um montão de ferros retorcidos e fumegantes. E o motorista virou patê.
Alma 1 – Não é possível! Vocês não sofreram nada??? Não ficaram esmagados??? Não ficaram presos nas ferragens???
Alma 2 – Aí eu não sei. Só sei que ouvi um estrondo horrível e desmaiei; e quando abri os olhos vi que já estava morta
Alma 1 – Então vocês morreram do susto, não foi?
Alma 2 – Exatamente. Tudo indica. Acredito que sim.
Alma 1 – E você morreu de quê?
Alma 2 – Desastre também. Quando eu morri de morte natural, meus parentes me levaram para ser sepultada na cidade onde eu nasci, conforme meu desejo. No meio do caminho, o carro da funerária em que eu ia bateu num jumento que vinha na contramão; capotou cinco vezes e o meu caixão foi jogado longe e caiu no meio da estrada. Uma carreta, dessas de 36 pneus, passou por cima do meu caixão. Eu e meu caixão viramos massa de fazer pastel com enchimento de carne de jumento.
Alma 1 – Ai, meu Deus! Você deve ter sentido uma dor horrível!
Alma 2 – Também não me lembro de nada, porque todo dia eu tomava remédio para a memória, e nesse dia eu tinha esquecido de tomar.
Alma 1 – Não é engraçado? Eu nunca vi você e você nunca me viu, porque eu já morri e você também já morreu, e parece que nós já nos conhecemos há bastante tempo.
Alma 2- É verdade. Ás vezes parece que eu tenho uma vaga lembrança de você. Eu fico procurando me lembrar. Parece que eu já vi você em algum lugar. Um dia desses eu ia caminhando no parque e dei de cara com uma anta., e aí eu me lembrei logo de você.
Alma 1 – Isso me dá até vontade de rir, porque acontece comigo também. Um dia desses eu ia caminhando na calçada e tropecei num montão de lixo, e aí eu também me lembrei logo de você.
Alma 2 – Obrigada por você ter se lembrado de mim.
Alma 1 – Obrigada também.
Alma 2 – Mudando de assunto e permanecendo na mesma conversa, me diga uma coisa: você não é aquela moça que era magra e agora ficou gorda?, Que era feia e agora tá mais feia ainda? Que não saía cedo de casa porque tinha medo de ser assaltada e agora tá saindo?, Que não pegava o ônibus com medo que ele pegasse você e agora tá pegando?, Que não ia para o trabalho porque não gostava de trabalhar e agora tá indo?
Alma 1 – Negativo. Nunca em tempo algum fui nada disso e muito menos fiz nada do que você está dizendo. Estou vendo é que você está querendo me deixar biruta É melhor a gente encerrar por aqui esse papo idiota de duas abestalhadas que nem ao menos se conhecem. Logo eu que detesto falar com gente desconhecida.
Alma 2 – Você tem toda razão. Eu também odeio falar com gente que eu não conheço. Vamos fazer o seguinte: faz de conta que eu não falei com você e você não falou comigo, certo? Aliás, almas do outro mundo não falam. Você já viu alguma alma do além ficar tagarelando por aí? Portanto, dê cá de volta o meu bom dia e o meu aparto de mão e tome lá de volta o seu bom dia e o seu aperto de mão.
Alma 1 – Passar bem
Alma 2 – Passar mal.



José Oilton de Menezes
Julho/2009

Mentiras, mentirinhas, mentironas

Compadre 1 – Oi, compadre, tudo bem? Como vai ocê?
Compadre 2 – Tudo na santa paz, tudo nos conformes, compadre.
Compadre 1 - Como vão as coisas?
Compadre 2 – Vão indo como Deus quer e consente.
Compadre 1 - E comadre Zefinha, como vai? Melhorou da dor nas cadeiras?
Compadre 2 – Tá melhor, mas agora tá vazando pelo pito depois que andou comendo um tal de vatapá muito carregado na pimenta e no dendê, na casa de Rosinha Baiana. Se mete a comer essas comidas que não tá acostumada e dá nisso. Já tomou até chá de rosca, tampão e rolha de cortiça, e a hemorragia catingosa não quer estancar.
Compadre 1 – Um dia desses eu também tava com uma fininha que não tinha jeito de passar. Me arretei e tomei por minha conta duas colheres de sopa de cimento branco diluído em um copo dágua. Passei uns quinze dias com o fiofó lacrado, pedrado. Num passava nem vento. Tive que tomar um purgante de folha de carrapateira com umas gotinhas de óleo lubrificante e aos poucos fui voltando ao normal.
Compadre 2 – E aí, compadre, o que é que ocê tem feito da cintura prá cima?
Compadre 1 – Tô atualmente trabalhando na fazenda do deputado Zé Costa.
Compadre 2 – É verdade que a fazendo do homem é mesmo aloprada de grande?
Compadre 1 – Bota grande nisso, compadre! Prá ocê ter uma idéia do tamanho, basta dizer que pela planta da fazenda consta que ela tem cinco açudes, com 50 km quadrados cada um. A bicha é tão grande que tem um avião teco-teco que já faz uma semana que sobrevoa ela e ainda não avistou os açudes..
Compadre 2 – Vai ser grande assim no raio que o parta, sô! E o que é que ocê f az lá, compadre? .
Compadre 1 – Faço de tudo. Sou peão, capataz, vaqueiro, amansador, zelador...
Compadre 2 – Você deve ter muita história e causos interessantes prá contar, não é?
Compadre 1 – Um bocado...
Compadre 2 – Se não for pedir muito, dava prá você contar algum causo?
Compadre 1 – Eu não gosto muito de sair contando por aí as minhas histórias porque as pessoas ficam pensando que eu tô mentindo, tô inventando, tô exagerando, quando isso não é verdade, pois eu só digo a verdade e tenho raiva de quem não fala a verdade. Acho isso uma coisa muito feia. Mas, como é prá atender um pedido seu, compadre, vou contar um causo que aconteceu comigo na fazenda, coisa de um mês atrás.
Como você deve saber, eu sou um vaqueiro muito bom, experiente e nunca apanhei de nenhuma rês. Mas, nesse dia, tinha uma novilha fujona que tava dando um trabalho danado prá se juntar com o resto do gado. Desembestou por dentro da garrancheira, parecia que tava com o cão no couro. Aprumei o cavalo e saí em disparada atrás da bicha, abrindo caminho pelo mato seco cheio de garranchos, cipós e espinhos, até conseguir dominar a danada. Como já tava tarde, fui prá casa. Minha mulher quando me viu deu um grito de espanto. -Valha-me Santo Cristo do Ipojuca! O que é que houve com você, homem? Você tá só com um olho na cara!
Foi quando passai a mão no rosto melado de sangue, me olhei no espelho e vi que realmente eu tinha um olho e só o buraco do outro olho.
-Já sei o que aconteceu, disse eu para a minha mulher, um garrancho arrancou meu olho, eu tava com o sangue quente e não notei nada; e já fui montando no cavalo e dando meia volta em direção ao matagal onde eu tinha começado a perseguição da novilha.
Procurei, procurei o olho, e nada. De repente, avistei um caminho de formigas. Fui seguindo as formigas e quase não chego a tempo, porque elas iam carregando o meu olho e já estavam fazendo manobras prá entrar no formigueiro.Dei um bote , agarrei meu olho, bati ele numa pedra e assoprei as formigas, coloquei ele no lugar e tratei de voltar prá casa. Ficou tudo tão direitinho que a minha mulher nem notou nada. Graças a Deus tô até hoje com meu olho firme e enxergando tudo.
Compadre 2 – Compadre, essa eu mereço; por hoje tá bom até demais. Não precisa contar mais outro caso, não. Esse é brabo, mas eu consegui engolir. O que vai ser difícil é fazer a digestão.
Compadre 1 – Eu não disse que iam me chamar de mentiroso? Quando quiser ouvir outras historinhas procure outro besta pra contar, viu compadre? E se não conseguir fazer a digestão, tome um chazinho de bosta de cachorro. É tiro e queda.


José Oilton de Menezes
Julho/2009

MENTIRA LÁ E CÁ

Compadre 1 - Quanto tempo que a gente não se vê, hein compadre?
Compadre 2 – É... faz um tempão
Compadre 1 – Você arribou junto com a família... não disse nada pronde ia...Eu sei que não é da minha conta, mas pra onde o compadre foi mesmo?
Compadre 2 – Fui pras bandas do sul e já estou com mais de um ano lá.
Compadre 1 – E tá gostando de lá?
Compadre 2 – Tô não, compadre. Chove muito e faz muito frio. Um dia desses caiu uma chuva tão cachorra da mulesta que tudo o que era de peixe e sapo cururu morreu afogado. E o frio nem se fala. Os meninos acordam de manhã, vão fazer xixi e não conseguem; a urina tá congelada. Saio batendo nas bexigas deles com um tamanco até quebrar o gelo, e mesmo assim eles ficam urinando umas pedrinhas bem miudinhas. Minha mulher tava com muita saudade da terrinha dela e inventou de chorar. Em vez de lágrima saiu um monte de pedrinhas de gelo do canto dos olhos dela.
Compadre 1 – Eita lasqueira! É frio de lascar! Frio assim só no Alaska mesmo, né compadre? E o que é que você veio fazer por essas bandas?
Compadre 2 – Vim dar um pulinho por aqui, rever os amigos e matar a saudade. Como é que tão as coisas por aqui, compadre?
Compadre 1 - De mal a pior. Tudo seco. Já perdi a conta do tempo que faz que não cai uma gota dágua. Você fez muito bem em sair daqui, compadre. Os animais de criação ainda não morreram todos porque os donos arranjaram um jeito de colocar uns óculos verdes neles e eles ficam vendo tudo verde saem comendo tudo que encontram pela frente pensando que é pasto. A fome por aqui ta tão grande que chegou uma banda de música pra se apresentar na cidade e saíram logo correndo. Comeram a flauta doce. e o couro dos tambores e do pandeiro. Vidro temperado aqui não se acha em canto nenhum: já comeram tudo. Quem é da família Leitão, Carneiro, Leão, Coelho, Tigre, Camelo, Bezerra, Pêra, Peixe, Lima, Pitanga, Salgado, Pinto, tá morrendo de medo de ser devorado, e tá todo mundo correndo pro cartório pra mudar de nome.
Compadre 2 – E as caçadas? Tem caçado muito?
Compadre 1 – Dei uma paradinha porque ando meio traumatizado com umas coisas estrambóticas que andam acontecendo na fazenda.
Compadre 2 – Como assim?
Compadre 1 – Eu tava caçando marreco num dos açudes aqui da fazenda quando, de repente, saíram da água dois rolos de cobra, mais ou menos da grossura de um ônibus cada uma e do tamanho de um trem de carga cada uma. E já saíram brigando, se enroscando. Não sei se era briga de marido e mulher. Saí correndo em disparada e me escondi bem longe dentro de uma moita e fiquei só de butuca olhando. De repente, uma das cobras começou a engolir a outra começando pelo rabo e a mesma coisa a outra cobra fez engolindo a outra também pelo rabo. Era cobra engolindo cobra. Nessa brincadeira, passaram quase uma hora se engolindo, e eu notei que elas iam desaparecendo aos poucos. Chegou a um ponto que não sobrou mais nada de cobra. Elas tinham se engolido. Fiquei todo arrepiado, me aproximei meio apavorado e vi que só tinha ficado o molhado no chão.
Compadre 2 – Você sabe que eu também adoro caçar. Vi você falar em cobra e me lembrei de um episódio que aconteceu comigo também lá na fazenda onde eu moro.
Compadre 1 – Compadre, por falar em fazenda, a fazenda onde você mora é muito grande?
Compadre 2 – O dono tá ate´pensando em vender porque tá tendo prejuízo com os animais que se perdem na fazenda por causa do tamanho dela e dificilmente são encontrados. Um dia desses tinha uma vaca que tava desaparecida já fazia um ano e acharam ela a 950 km de distância e ainda tava dentro da cerca da fazenda. A danada saiu andando e pastando, andando e pastando e foi bater no meio do mundo. Por aí você pode ter uma idéia do tamanho da fazenda... Mas, como eu ia dizendo, semana passada o patrão me mandou fazer uma viagem por dentro da fazenda para entregar uma encomenda a um amigo dele. Peguei a caminhonete e saí bem cedinho. Viajei o dia todo e já tava escurecendo quando avistei um enorme túnel que eu nem sabia que existia na fazenda. Liguei os faróis do carro, entrei no túnel e andei mais ou menos durante uma hora numa velocidade de 80 km. Num certo momento o túnel começou a se estreitar, a se afinar, a se afunilar de tal modo que não permitia mais a passagem de nada.Era como se fosse um rabo que ia afinando. Achei aquilo muito estranho e tratei de dar marcha-à-ré, fazer a manobra e percorrer todo aquele caminho de volta. De novo na entrada do túnel, liguei o farol alto e quase caí pra trás de susto. Não era túnel coisíssima nenhuma. Era uma gigantesca jibóia dormindo de boca aberta. Me afastei devagarinho pra não acordar a bicha e tratei de dar no pé.
Compadre 1 – Isso aí que você contou, compadre, não chega nem aos pés do que aconteceu comigo um dia desses. Tava caçando na fazenda e depois de algumas horas me sentei debaixo de um pé de juazeiro, bebi um goles dágua e pendurei a cabaça ainda quase cheia num galho e adormeci de cansaço. Acordei e fui embora, e já muito longe a sede apertou e eu procurei a cabaça e vi que tinha esquecido dela onde eu tinha dormido. Tratei de voltar, mas terminei me perdendo e não encontrando mais o lugar onde a tinha deixado. Passaram-se mais ou menos uns seis meses e eu fui caçar de novo naquele mesmo local. Mas nem me lembrava mais da tal cabaça dágua..De repente e sem querer dei de cara com a cabaça que eu tinha perdido, só que o sol tinha queimado e apodrecido a cabaça e tava só a água pendurada no galho. Peguei uma cuia que eu levava comigo e aparei a água e bebi um bom gole. Tava boazinha, fresquinha. Parecia água de coco.
Compadre 2 - Compadre, depois dessa eu tava até pensando em contar outra, mas acho melhor parar por aqui porque tá muito difícil encontrar uma mentira mais cabeluda do que essa.
Compadre 1 – Até mais ver, compadre.
Compadre 2 – Até mais ver.

A mosca de Barack Obama

O estrepitoso tabefe que o presidente Barack Obama desferiu naquela mosca que o importunava durante uma entrevista na Casa Branca ecoou rapidamente nos quatro cantos do planeta. De repente, o que parecia ser apenas uma cena simples e rotineira de uma pessoa tangendo e tentando livrar-se de um inseto insistente, e importuno, transformou-se num ato antológico, reprisado milhares de vezes nas televisões do mundo todo, como se tivesse sido praticado por uma entidade sobrenatural, um ídolo, uma divindade.
Apesar do ritual cabalístico que precedeu aquele acontecimento, com o presidente tentando demonstrar um estágio avançadíssimo de concentração mental, um estado de alerta leonino, uma aguçadissima acuidade sensorial, uma agilidade felina, uma desenvoltura e precisão de golpes próprias de um ninja, na realidade, tudo não passou de uma farsa, de um arrumadinnho muito bem montado e ensaiado. Isso se considerarmos que, de acordo com os cientistas da Nasa, contratados para estudar o caso, uma vez calculados o peso e a velocidade do impacto da mão do presidente sobre o frágil artrópode, salta aos olhos a óbvia conclusão de que, pelo aparente grau de violência com que foi desfechado o retumbante tapa, era de se esperar que o desafortunado díptero tivesse caído esmagado, coisa que não aconteceu, pois o animal caiu em decúbito dorsal, sem fraturas ou escoriações aparentes, dando a nítida impressão de que estava apenas desacordado ou fingindo-se de morto.
Isto foi exatamente o fato gerador da especulação que rapidamente se espalhou, à boca miúda, de que a mosca teria sido subornada ou até mesmo dopada para se deixar apanhar. Prato cheio para a oposição que, ávida para derrubar ainda mais os índices de popularidade do presidente, que já dão sinais de declínio, tratou logo de estudar aquele episódio em todos os seus aspectos, enfoques e ângulos. Para tanto, convidaram, parapsicólogos, médiuns, os maiores especialistas em insetologia, em artes marciais, ioga e, como não poderia deixar de ser, chamaram até aquele monge budista do filme Karatê Kid, que desafiava as leis da física apanhando com uma pinça moscas em pleno vôo.
Um dos entomólogos contratados recebeu a árdua tarefa de descobrir entre as mais de oitenta mil espécies de moscas já catalogadas, a que família pertencia aquela insolente e atrevida mosca; e também saber por que ela insistia tanto em pousar na face do ilustre mandatário americano.
De acordo com os comentários maldosos que logo tomaram vulto, o assédio da mosca se deu por que o homem mais poderoso da terra estaria relaxando a sua rotina de tomar banho diário, ou teria esquecido de fazer a profilaxia bucal matinal, o desodorante axilar já estaria vencido, etc. Foram exaustivamente estudados também os hábitos, o comportamento e as táticas utilizadas pelo pega-moscas, pequeno e curioso inseto que se alimenta de moscas e se destaca pela extrema agilidade e precisão absoluta, quase infalível, com que se aproxima da presa para desferir-lhe o bote certeiro. E ele só consegue essa façanha graças ao instinto natural aguçadíssimo de que é dotado. Daí a achar que o Obama seja possuidor desse impulso animal, é improvável, é impossível. E tudo isso para provar que o ilustre e tão incensado primeiro presidente negro dos Estados Unidos não passa de um mosca-morta, incapaz não só de matar qualquer inseto lento e rasteiro, muito menos realizar a proeza de apanhar uma mosca em pleno vôo, visto que esse díptero esquisóforo é perito na arte de voar, sendo considerado um dos animais mais ágeis da natureza.
Por outro lado, os americanos, que convivem diariamente com a paranóia do medo dos ataques terroristas, ao presenciarem aquele objeto até então não identificado rodeando insistentemente o presidente, acionaram imediatamente o alerta maximo e trataram logo de colocar em prontidão o Ministério da Defesa, principalmente o esquadrão anti-bombas e a brigada anti-terrorismo, considerando que aquele minúsculo objeto voador poderia ser um simples inseto, mas também poderia ser um mini-satélite espião, de tecnologia avançadíssima, enviado pelo Irã ou pela Coréia do Norte, para espionar a Casa Branca, estudar os hábitos do presidente ou, quiçá, até matá-lo. Felizmente, para alívio geral, prevaleceu a primeira hipótese.
Não perderam tempo também os humoristas e piadistas de plantão que sugeriram à Casa Branca que fosse criado um programa diário de televisão, cujo título poderia ser “Aprenda com Obama a se livrar das moscas”, “ O Homem mais Rápido que a Mosca”, ou simplesmente “O Mosca”, onde o presidente traria a público o seu segredo na arte de apanhar moscas voando, ensinando a todos como se livrar desse incômodo inseto alado. Predisseram também que o todo poderoso chefe de estado ao deixar a Casa Branca, no final de seu mandato, já estaria com emprego garantido numa grande empresa de dedetização, onde poria em prática o seu revolucionário método de matar moscas e outros insetos, sem a utilização dos nocivos inseticidas, pesticidas, fungicidas, etc.
Enquanto isso não acontece, aqui ficamos nós fazendo votos para que o grande chefe ianque nunca deixe a Casa Branca entregue às moscas, não fique por aí tentando matar moscas na base da porrada, não fique pensando que encontrou a mosca azul, e coloque, uma vez por todas, uma pá de cimento no padecimento que foi a era Bush e suas bushadas, porque, aqui pra nós, pior do que Bush, só chute no fazedor de pipi. Esperamos também que ele reserve toda a sua agilidade e destreza para dar boas e certeiras tapas no pé do ouvido das muitas moscas e mutucas insanas que andam por aí infernizando a vida do povo, tais como, Hugo Chaves, Evo Morales, Mahmud Ahmadinejad, Osama Bin Laden e, de modo especial, a mosca louca e atômica Kim Jong-Il, entre outras. Fazendo isso, todos irão dizer que o exterminador de insetos Barack Obama, com certeza, está acertando na mosca.

O dia das Mães de Mãe

Pense num diazim agitado e complicado. Dia das mães com sol já é embaraçoso, imagine você, esse glorioso dia com chuva, muita chuva. Todo dia das mães deveria ser ensolarado, brilhante, lindo, como as mães merecem. Mas, não se sabe o que deu em São Pedro, que não parou um minuto de mandar água o dia todo. Parecia que estavam fazendo faxina no céu. A bíblia não faz nenhuma menção à mãe de Pedro, e sim à sogra de Pedro, que estava de cama com febre alta e Jesus a curou. E, em se tratando de sogra, nem se sabe ao certo se Pedro gostou desse milagre. Será que... bom, deixa isso pra lá porque não é certo brincar com coisa séria; é melhor voltar ao tema.
Não seria nada demais se o dia das mães fosse também chamado de dia do engarrafamento, do entupimento, do corre-corre, do fuzuê, do deus-nos-acuda, do salve-se-quem-puder. Para qualquer lugar que você se atreva a ir, se arrisca a ser atropelado, espremido, chutado, e a ficar engarrafado, preso... sem falar na canseira e quebradeira que vêm depois.
Pra começar, na véspera, pai inventou de dar uma guaribada, um grau na casa. Ele já está escorregando na casa dos 70, mas, de vez em quando, quer dar uma de cavalo do cão, e também não gosta de ser chamado de velho; diz que é apenas avançado em anos...Não está nem aí pros bicos-de-papagaio, de arara e de tucano que tem na coluna Já no finalzinho da tarefa, se baixou prá pegar num sei o quê, deu um estalo no rodapé do espinhaço e pai ficou com a imagem congelada durante uns 20 segundos, sem se mexer, estatelado e com aquela cara de cachorro cagando na chuva.
- É bem arriscado ser hérnia de disco, disseram logo. Ao que mãe foi logo emendando: -Isso é castigo pra ele largar essa mania de comprar disco fuleiro.
A comemoração foi num restaurante chique e, como já disse, debaixo de chuva. Desde cedo, mãe vinha alertando que no dia das mães tudo é difícil, principalmente vaga em restaurante. Portanto, era preciso sair cedo. E foi o que fizemos. Dez horas, e lá estava todo mundo de plantão na porta do estabelecimento, e ainda pegamos a peãozada passando pano no chão e arrumando as mesas. Mesmo assim, deixaram a gente entrar e ficamos acomodados em uma mesa de sete lugares. Pra matar o tempo, ficamos olhando velhas e saudosas fotografias da família, botando conversa fora e pondo as fofocas em dia Não demorou muito e começou a chegar gente de todo tipo, idade e tamanho e, em pouco tempo, o restaurante estava lotado, tipo para entrar um, tem que sair outro, com fila do lado de fora para entrar. Tinha família com dez, vinte pessoas e com membros da primeira, segunda, terceira, quarta geração... de recém-nascido a centenário. Teve gente que achou pouco e levou logo duas, três mães; mãe biológica, mãe-de-criação e até mãe-de-santo. Muitos chegavam com presentes, flores...O que chamou a atenção foi um sujeito que chegou depois com dois quadros enormes embrulhados em papel-presente, com laço e tudo, insistindo em abrir caminho por entre aquele aglomerado de gente para chegar à mesa onde estava sua mãe lá no sul do restaurante, não sem antes acertar alguns empurrões e tacadas na cabeça do pessoal. Daí pra frente foi só barulho, muita gente impaciente, e comida que é bom...A criançada, de garfo e faca nas mãos, aproveitou para tocar bateria nos pratos, aumentando a barulheira. Os garçons estavam mais perdidos do que cachorro quando cai de mudança. Ninguém se entendia e andavam de lado para outro apavorados com tanta gente e sem saber a quem atender. Depois de muito tempo e muita súplica finalmente chegou, para alívio geral, a nossa famigerada (seria mais fomegerada) e tão esperada picanha dupla e, para decepção geral, incompleta e em total desacordo com o pedido, ou seja, pedimos magra e veio obesa e faltando alguns acompanhamentos essenciais. Mãe arretou-se, deu logo um baile e perguntou se a picanha era de tartaruga... se o prato vinha da Amazônia, etc...
Devolve tudo! Antes não tivesse devolvido, porque passou um tempão e nem sinal da nova picanha. Os garçons faziam ouvido de mercador e passavam por nós em alta velocidade, equilibrando enormes bandejas no alto, e de cabeça baixa como se não quisessem ser reconhecidos. O jeito foi abrir o bocão. E foi o que valeu, porque logo acudiu um garçom baixinho, gordinho e simpático, que tomou todas as nossas dores e protestos, prometendo nos atender no melhor do capricho. Recolheu a picanha e os acessórios dizendo que ia trazer logo um produto de primeira e, por incrível que pareça, até que não demorou muito a voltar. Só que o malandro trouxe a mesma picanha, disfarçada, com nova arrumação; tinham feito apenas uma rápida lipoaspiração, por sinal muito mal feita. Não adiantava mais discutir e a melhor alternativa foi aceitar a picanha e tratar de comer porque, a essas alturas, a barriga já estava implorando qualquer coisa.
Foi o mais demorado e tumultuado almoço do dia das mães que já comemoramos. Mas valeu e, no final, terminou todo mundo rindo daquela divertida aventura e com a certeza de que tínhamos procurado fazer o melhor que pudemos para homenagear nossa querida mãe, aquela cujo coração é feito do melhor filé, da melhor picanha do mundo.

José Oilton de Menezes
Maio/2009